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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Direito de estar na escola

É raro o professor que ainda não ouviu falar do assunto ou não foi chamado a investigar a situação dos alunos infrequentes de sua turma ou escola ou a preencher a FICAI – Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente. Trabalhando em escolas, como assistente social, tenho observado uma certa dificuldade e também desmobilização dos professores em relação a esse instrumento de apoio à inclusão escolar de crianças e adolescente.

É importante situar que o acesso e a permanência do aluno na escola configuram como condição preliminar á tão debatida questão da inclusão na escola. Nesse sentido, antes mesmo de aprofundar o debate do modo como devem ser respeitadas as diversidades sociais, culturais, étnicas e de gênero dos alunos, é preciso assegurar que estes estejam efetivamente inseridos no cenário educativo e de cidadania que a escola constitui.

Em segundo lugar, é preciso lembrar que estar na escola é direito assegurado a toda criança e adolescente em idade escolar, normatizado pela Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, o acesso à escola e a sua permanência na mesma são, ao mesmo tempo, uma questão de cidadania e legalidade, indiscutivelmente imprescindíveis à ampla formação social das nossas crianças e adolescentes e do futuro que representam.

Se a realidade da inclusão na escola é complexa, ilude-se quem pensa que a dimensão freqüência é menos prenhe de complexidades. Tome-se o caso de uma família, cujos pais deixam seus filhos na frente da escola e seguem tranqüilos para seu dia de trabalho. Nós sabemos que essa situação não é a mais comum, mas ocorre. A realidade tem mostrado que muitos alunos, não apenas de escolas públicas, vale esclarecer, são oriundos de famílias desagregadas ou rearranjadas e têm pelo menos uma das seguintes características:

1. são filhos de pais separados, residindo no domicilio do pai ou da mãe e, não raro, em meio à nova união familiar então constituída;

2. vivem com a mãe, a qual não só responde pelo filho como, no geral, representa sua única referência familiar;

3. têm um ou mais irmãos, entre os quais os de mais idade compartilham ou assumem a responsabilidade do cuidado dos irmãos menores, em cujo cotidiano está o de levar e buscar o irmão na porta da escola;

4. são crianças e adolescentes que trabalham, ou seja, entraram precocemente no mundo adultocênctrico, expostos a obrigações, comportamentos e prioridades abusivas em relação a sua fase de desenvolvimento.

No retrato desse quadro social, muitos pais deixam seus filhos aos cuidados de sues irmãos ou deles próprios para gerirem sua idade e retorno da escola, nem sempre podendo acompanha-lós até a porta de sua classe, no preciso horário de início de sua aula.

Tenho em vista essa realidade, quem poderia estar junto dos alunos e verificar se efetivamente estão na escola? Não há outra pessoa que conviva diariamente e mais próximo esteja do aluno em sua vida escolar que o professor – esta é a indubitável resposta.

É preciso que a escola aceite e assuma sua participação no acompanhamento da freqüência dos alunos, adicionando essa cultura no seu cotidiano de trabalho. Algumas escolas têm sido exemplares nesse exercício, que envolve contato com familiares por meio de bilhetes enviados por portadores, por exemplo, pais de alunos vizinhos, e realização de visitas domiciliares aos alunos ausentes. Nestas, a relação da direção e professores com o Conselho Tutelar e pais ou responsáveis é balizada por acordos e compromissos recíprocos e complementares, marcando o decisivo papel de cada um na preservação do direito infanto-juvenil à educação.

Da parte da escola, compete inicialmente informar aos pais ou responsáveis situações individuais de alunos que se encontram ausentes há no mínimo cinco dias sucessivos ou que têm postura reincidente nessa sua falta. Note-se que essa informação, de conteúdo diagnóstico, serve tanto ao Conselho Tutelar como aos pais (ou responsáveis) para desmascarar o envolvimento de crianças e adolescentes em situações relacionadas à exploração de jogos de azar, ao trabalho infantil, à mendicância, às drogas, à prostituição ou mesmo ao crime organizado.

Assim, a FICAI constitui uma ferramenta de denúncia – portanto efetivamente a serviço da cidadania – voltada a explicitar, muitas vezes, à própria família do aluno, episódio de negligência e abusos que acometem nossos escolares. Mas, ainda que o preenchimento da FICAI seja central na efetiva inclusão escolar dos alunos, entendemos que não deve ser o fim da linha da participação da escola nessa luta. Com vistas a uma ação preventiva e educativa junto à comunidade acerca da situação de infrequencia escolar, é salutar que sejam planejados encontros mensais com pais, professores e conselheiros tutelares. Nesses espaços, os pais ou responsáveis devem ser orientados a acompanhar seus filhos até a escola; preferencialmente, até a porta da classe e no horário preciso em que a aula inicia.

Essa e outras orientações fazem parte da cartilha Lugar de aluno é na escola: o papel de cada um, destinada aos pais dos escolares da rede pública de ensino. A cartilha esclarece sobre a importância de se cuidar da matrícula e da permanência escolar das crianças e adolescentes, mediante uma comunicação clara e atrativa sobre o papel de cada um (família, comunidade, escola, Conselho Tutelar e Ministério Público) na efetivação desse passo à inclusão à escolar. Além disso, apresenta temas como trabalho infantil, responsabilidade da família e dicas de como cada segmento acima listado pode identificar e abordar, na prática, situações de risco. Mediante esses aportes, a cartilha pretende constituir-se numa ferramenta de apoio à redução da infreqüência escolar, à medida que, além do esclarecimento, potencializa o debate e a renovação de iniciativas escolares em torno da superação do problema. A ficha deve ser solicitada ao gestor municipal ou estadual de educação, de modo que todo professor possa cumprir a parte que lhe toca nesse movimento.
Fonte: Revista do Professor.

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