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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

'Se voltar para a Síria, me matam', diz refugiado há 2 anos em Sorocaba

Ferdi Shan fugiu de Damasco para não defender Bashar al-Assad. Atualmente, jovem e o irmão trabalham como cabeleireiros na cidade.

Amanda Campos Do G1 Sorocaba e Jundiaí
 
A vida no Brasil faz um dos milhares dos refugiados sírios que escaparam do regime do ditador Bashar al-Assad lembrar de um dos provérbios conhecidos no seu país: "Não odeie algo que te aconteceu, porque, às vezes, há coisa boa nisso". Há dois anos, Ferdi Shan, de 22 anos, se viu obrigado a abandonar a vida que tinha no país natal. Ele se estabeleceu em Sorocaba, interior de São Paulo, e hoje comemora ter conseguido reconstruir a rotina que deixou ao sair de Damasco, capital da Síria, com o diferencial de não viver mais sob o medo da guerra. O G1 acompanhou o dia a dia do refugiado, que trabalha em um salão de cabeleireiro da cidade. (Veja vídeo acima)
Acompanhado do primo – que ficou pouco tempo no Brasil – e do irmão mais velho, Abod Shan, de 25 anos, Ferdi conseguiu chegar a São Paulo no final de 2013, após ter vivido quase dois anos na Jordânia, país vizinho à Síria. É nesse país que, ao lado do irmão, Ferdi revê a caçula da família, casada com um jordaniano, e os pais, que ainda vivem em Damasco. "E jamais devem sair de lá", enfatiza.
Ferdi explica que é difícil imaginar a dimensão da guerra civil quando se está na capital do país – já que nem todos os bairros de Damasco estão na mira dos grupos pró e contra Assad, explica ele. Mas em cidades como Kobani, ocupada pelos terroristas do Estado Islâmico (EI) e que fica perto da fronteira com a Turquia, bombardeios são comuns.
Abdo e Ferdi Shan trabalham juntos em um salão (Foto: Julia Garcia/G1)

Abdo e Ferdi Shan trabalham juntos em um salão
(Foto: Julia Garcia/G1)
"Meus pais continuam trabalhando e vivendo normalmente na Síria porque a guerra não os afeta tanto. Claro que há o medo. Mas eles pertencem àquele país".
Vida no Brasil e casamento
Após desembarcarem em São Paulo para encontrar um casal de amigos que os ajudaria, os irmãos seguiram para Sorocaba (SP). Uma semana depois, ainda sem dominar o idioma brasileiro, Ferdi foi apresentado a José Márcio Julião, dono de um salão de cabeleireiros localizado no bairro Santa Rosália. Foi lá que ele conseguiu seu primeiro emprego como ajudante. 
Quase dois anos depois e com o português mais "afiado", o sírio é preferência de grande parte dos clientes, segundo Julião. "Nos entendíamos por gestos e com o tempo, ele foi aprendendo uma palavra ou outra em português. O Ferdi tem muita força de vontade. Só tem um gênio difícil, mas isso a gente consegue contornar", comenta. 
Ferdi e Barbara se casaram após dois meses de namoro (Foto: Reprodução/Facebook)

 
Ferdi e Barbara se casaram após dois meses
de namoro (Foto: Reprodução/Facebook)
Mais confortável na cidade após conseguir o emprego, Ferdi levou o irmão, Abod, para também ensinar o ofício. Foi nessa época que o jovem, já encantado com a hospitalidade brasileira, se apaixonou também pela beleza da sorocabana Barbara Duarte, com quem casou dois meses depois do primeiro encontro.
"Ela era sobrinha de um conhecido e nos apaixonamos. Pode parecer rápido, mas na Síria é assim que acontece. Estávamos muito envolvidos. Não tinha motivo para esperar mais", afirma.
Sobre a diferença cultural entre árabes e brasileiros, Ferdi admite que os pais não ficaram confortáveis com a união, mas afirma que nenhum deles o impediu de se unir à Barbara. "Meus pais não entendem muito bem a cultura do Brasil, mas respeitam minhas decisões", avalia.

Abod reafirma as aspas do irmão, explicando que ele mesmo, quando estava na Síria, imaginava que o Brasil era bem diferente do que conheceu. "A visão do Brasil na Síria é deturpada. Só se fala na violência, prostituição. O Brasil de verdade não é assim. Nossos pais talvez não entendam", destaca.
Volta à Síria
Apesar de ter ganho uma "vida nova" no Brasil, Shan sabe que jamais poderia voltar à Síria. "Meu nome está na lista de fugitivos do governo. Se um dia eu tentar entrar na Síria novamente, as autoridades vão me matar. Não tem conversa, não tem prisão. A pena será a morte", explica ele ao G1.
A situação do irmão mais velho de Ferdi não é tão séria. Como Abod serviu o Exército por volta de 2007, quando o país ainda não vivia o conflito que já deixou pelo menos 240.381 mortos desde 2011, de acordo com dados do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR), ele pode voltar para a Síria quando quiser. Mas precisará defender o presidente nas forças armadas.
"Esse é só um dos motivos de eu ter dúvida sobre se um dia voltarei [para a Síria]. Se voltasse, tudo seria diferente. Meus amigos desapareceram, foram mortos ou fugiram para outros países. Minha vida mudou", explica Abod.
Das lembranças que leva consigo, uma tira o sono do refugiado: ele chegou a ser alvo de ataques terroristas enquanto andava por um mercado municipal de alimentos em Damasco, pouco antes de decidir deixar o país. 
"Ouvimos um barulho enorme e várias barracas foram pelos ares. Lembro de proteger os ouvidos com as mãos e sair correndo. Ficamos todos em pânico. Depois disso, a insegurança aumentou. Pensava: 'se um mercado de alimentos onde só há civis é alvo, o que não é?'", reflete.
Ferdi (ao fundo) ensinou o que aprendeu ao irmão Abod (Foto: Julia Garcia/G1)

Ferdi (ao fundo) ensinou o que aprendeu ao irmão Abod (à esq.) (Foto: Julia Garcia/G1)
José Márcio Julião (centro) e os irmãos sírios Abod (à esq.) e Ferdi (Foto: Julia Garcia/G1)

 
José Márcio Julião (centro) e os irmãos sírios Ferdi (à esq.) e Abod (Foto: Julia Garcia/G1)

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